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Série “Wormwood”: mais uma brilhante esquisitice de Errol Morris

André Barcinski

24/01/2018 05h59

A Netflix exibe "Wormwood", uma minissérie em seis episódios dirigida por um dos grandes nomes do cinema contemporâneo, o norte-americano Errol Morris, 69.

"Wormwood" mistura documentário e dramatizações para contar o caso real e misterioso envolvendo Frank Olson, um cientista que trabalhava num programa secreto da CIA e que, em 1953, se jogou – ou foi jogado – da janela de um hotel em Nova York.

Dias antes do "suicídio", Olson havia tomado, sem saber, uma grande dose de LSD, ministrado pela própria CIA como parte do Projeto MkUltra, uma série de experimentos que procurava identificar e desenvolver drogas que poderiam ser usadas em torturas e interrogatórios.

"Wormwood" usa cenas de arquivo, entrevistas com personagens da história (incluindo um dos filhos de Olson), e encenações dos acontecimentos que levaram à morte do cientista. O resultado é um tanto bizarro e surpreendente – como a maioria dos filmes de Errol Morris.

Em 2011, quando Morris lançou "Tablóide", escrevi:

"Tablóide" é o 11º filme de Errol Morris.

Digo "filme" e não "documentário", apesar de Morris ser considerado um documentarista.

Nada contra documentaristas, muito pelo contrário. Mas acho que os filmes de Morris são tão pessoais e idiossincráticas que parecem obras de ficção.

Errol Morris

Errol Morris é fascinado pela estranheza. Consegue enxergar um tema interessante nos lugares mais improváveis.

"Tabloid" conta a história de uma jovem miss que, em 1977, seqüestra o namorado, um missionário mórmon, e passa três dias obrigando o rapaz a fazer sexo com ela. Parece estranho? E é. Mas não é nem metade da história.

Outro filme de Morris, "Fast, Cheap and Out of Control" (1997), um de meus documentários prediletos, conta a vida de quatro homens de profissões nada ordinárias, como um domador de leões e um topiário (jardineiro que faz esculturas em plantas).

Em "Mr. Death: The Rise and Fall of Fred A. Leuchter, Jr." (1999), Morris fez o perfil de um homem que dedicou a vida a criar uma cadeira elétrica perfeita. Assustador.

Seus filmes mais conhecidos são "Sob a Névoa da Guerra" (2003), sobre o Secretário de Defesa norte-americano na época do Vietnã, Robert McNamara, documentário vencedor do Oscar, e o grande "The Thin Blue Line" (1988), em que provou a inocência de um homem condenado à morte (o acusado foi solto após o lançamento do filme).

Mas o meu favorito é mesmo o esquisitíssimo e dark "Gates of Heaven" (1978), primeiro filme de Morris, sobre o dono de um cemitério de animais. Faça o que for necessário, mas assista a esse filme.

Existe um tema que todo fã de Errol Morris torce para que ele aborde: sua própria vida.

Órfão de pai aos dois anos, Morris foi músico e historiador e largou cursos em Princeton e Berkeley antes de se dedicar ao cinema.

Sempre teve fama de esquentado e não conseguia terminar nenhum projeto. Seu amigo, o cineasta alemão Werner Herzog, chegou a apostar com Morris que comeria o próprio sapato quando ele terminasse um filme.

Quando Morris lançou "Gates of Heaven", Herzog cumpriu a promessa, como você pode conferir no célebre curta "Werner Herzog Come Seu Sapato":

Morris e Herzog iriam colaborar em um documentário sobre Ed Gein, o assassino serial que inspirou "Psicose", de Hitchcock.

Morris entrevistou Gein na cadeia e este jurou que havia roubado o cadáver da mãe. Morris e Herzog combinaram ir ao cemitério e desenterrar a ossada da velha para confirmar a história.

No dia marcado, Herzog estava lá, mas Morris arregou. O que prova que, em matéria de insanidade, Errol Morris é pinto perto de Werner Herzog.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.