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Quer escrever roteiros de séries e filmes? Tem certeza?

André Barcinski

29/11/2017 05h59

Ouço dizer por aí que a indústria do audiovisual está bombando no Brasil; séries e filmes estão sendo produzidos a rodo, e boas oportunidades de trabalho estão surgindo para todas as classes de profissionais de cinema e TV.

Trabalho com direção de programas de TV há uns dez anos, e há seis resolvi arriscar uma carreira como roteirista de séries e filmes. Acho uma boa hora para dividir algumas histórias e experiências com novatos que sonham em trabalhar na área.

Os relatos a seguir são baseados apenas em minhas experiências pessoais. Não conheço as histórias profissionais de outros roteiristas e não falo por eles.

Para facilitar, dividi o relato em três casos:

1 – Série sobre jornalismo policial

Cinco anos atrás, fechei com um conhecido canal a cabo a produção de uma série ficcional sobre o dia a dia de jornalistas policiais. Associei-me a uma produtora, que fechou os detalhes com o canal. A matriz da emissora, localizada nos Estados Unidos, enviou uma carta confirmando o acordo. Convidei um colega para dividir o trabalho de escrever os roteiros.

Esse colega e eu fizemos pesquisas, entrevistamos repórteres e vasculhamos arquivos de jornais. Escrevemos o roteiro de um episódio de 52 minutos (cada minuto na tela equivale, basicamente, a uma página de roteiro) e 15 sinopses de outros episódios. Criamos cerca de 20 personagens. O processo todo levou cerca de um ano. Não recebemos nada pelo trabalho.

Entregamos o roteiro e os 15 episódios, e as primeiras reações foram as melhores possíveis. Agora era só esperar. Foi o que fizemos.

Passaram-se dois meses, quatro meses, seis meses, e nada de resposta. Até que recebemos a notícia de que o chefão da emissora no Brasil fora demitido, e o substituto cancelara todos os projetos.

Não desistimos. Levamos o projeto a outras emissoras.

Cerca de seis meses depois, uma boa notícia: um grande canal a cabo aprovara a série. Foram mais seis meses de acertos nos roteiros, escolha de elenco e equipe técnica. Apresentamos a série numa reunião com representantes da emissora na América Latina, já que o programa seria dublado em espanhol e exibido em toda a América Latina.

Agora era só esperar. Foi o que fizemos.

Passaram-se dois meses, três meses, quatro meses, e nada de resposta. Um dia, conversando com um amigo que trabalhava na emissora, meu parceiro soube que a série havia sido retirada da programação. O canal não se deu ao trabalho nem de nos avisar.

Não desistimos. Levamos o projeto a outras emissoras.

Alguns meses depois, uma pessoa que trabalhava no setor de aquisições internacionais de uma poderosa empresa do setor de streaming de filmes nos chamou para uma reunião. Ela adorou o projeto, mas sugeriu que estendêssemos o episódio-piloto para 90 minutos.

Por cerca de um mês, meu colega e eu trabalhamos para transformar o episódio em um longa-metragem. Isso envolveu uma mudança radical na concepção da história, com a adição de personagens e subtramas. Terminamos o roteiro e o enviamos à pessoa.

Agora era só esperar. Foi o que fizemos.

Passaram-se dois meses, três meses, e nada de resposta. Até que descobrimos que a pessoa havia sido demitida da chefia de aquisições internacionais. Ela nem se deu ao trabalho de nos avisar.

2 – Série cômica sobre banda de rock dos anos 80

Há cerca de três anos, escrevi uma série cômica inspirada na vida de um conhecido músico brasileiro dos anos 80. Ele colaboraria nos roteiros e faria a trilha sonora. Levamos a ideia a várias produtoras de conteúdo para TV, e uma, em especial, se interessou muito.

Tive várias reuniões com a produtora. A pessoa responsável pela criação de novos projetos "não lembrava" quem era Stanley Kubrick e nunca tinha ouvido falar de Peter Sellers, mas adorou o projeto e pediu mais roteiros e sinopses. Trabalhei, sem ganhar nada, por cerca de um mês.

Agora era só esperar. Foi o que fiz.

Passaram-se dois meses, quatro meses, seis meses, dez meses, UM ANO, e nada de resposta. Não desisti. Levei o projeto a outras quatro ou cinco produtoras. Uma se interessou. Tive reuniões com o dono da empresa, que pediu algumas mudanças no roteiro e a confirmação de que o tal músico faria a trilha sonora. O músico estava na Ásia. Fiz uma reunião com ele por Skype e acertamos todos os detalhes.

Agora era só esperar. Foi o que fiz.

Passaram-se dois meses, quatro meses, seis meses, e nada de resposta. Nem Whatsapp o desgraçado respondeu mais.

3 – Projetos aprovados e depois esquecidos

Há cerca de dois anos, uma conhecida emissora a cabo me pediu projetos de séries documentais. Os donos da emissora diziam ter verba para produzir algumas, e pediram que eu mandasse quantos projetos quisesse. As séries deveriam abranger temas diversos: música, arte, turismo, moda, etc.

Durante dois ou três meses, trabalhei – de graça, claro – em onze sugestões de temas. Fiz pré-roteiro de todos, com sugestões de entrevistados, locações, fontes de pesquisa, etc. Eles aprovaram meia dúzia e pediram ampliações dos roteiros, com mais detalhes e informações. Foram mais duas ou três semanas de trabalho.

Das seis séries, a seleção foi reduzida a duas, com oito episódios cada. A emissora pediu então roteiros detalhados de cada uma, com divisão de temas a serem explorados e pessoas a serem entrevistadas em cada um dos 16 episódios. Isso levou cerca de um mês de trabalho – não remunerado, claro.

Agora era só esperar. E estou esperando até agora.

Quer dizer que nada dá certo?

Não é bem assim. Tenho a sorte de trabalhar há muitos anos com uma emissora modesta em termos de orçamento e audiência, mas gigante em profissionalismo, e ela abraçou duas séries dramáticas. A primeira será rodada no primeiro semestre do ano que vem, e a segunda ainda está em trâmites burocráticos, mas deve sair daqui a uns dois anos.

Também resolvi bancar, com meu próprio dinheiro, uma versão reduzida de uma das séries documentais. O tema era legal demais para ser desperdiçado.

Conclusões e dicas para aspirantes a roteiristas:

– Não dependa disso para viver. Arrume um emprego que pague as contas e tente vender seus roteiros nas horas vagas. Ou alimente-se de luz.

– Quando for vender um projeto, lembre-se que as pessoas responsáveis pela criação, via de regra, só conhecem séries e nunca viram um filme anterior a "Pulp Fiction". Há exceções, claro, mas a maioria é de uma ignorância atroz.

– Produtoras e emissoras têm vocabulário próprio: "sim" quer dizer "tem pouca chance", e "talvez" quer dizer "não". Já a palavra "não" raramente é dita; a pessoa prefere pedir um tempo para responder e depois sumir de vez.

– Quer trabalhar numa indústria profissional e sem tanta enrolação, onde "sim" significa "sim" e "não" significa "não"? Então aprenda a escrever em inglês e mude-se para a Austrália.

Boa sorte a todos.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.