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Charles Manson foi o lado sombrio dos anos 60

André Barcinski

20/11/2017 08h45


Quando falamos dos anos 60, as primeiras lembranças são boas: hippies pedindo paz, meio milhão de pessoas cantando o amor em Woodstock, e os Beatles entoando "Lucy in the Sky With Diamonds". Mas no fim daquela década, Charles Manson apareceu e acabou com a festa.

Manson, que morreu de causas naturais dia 19, aos 83 anos, quando cumpria pena perpétua por seu papel numa série de assassinatos ocorridos em 1969, foi uma das figuras mais emblemáticas dos anos 60.

Em 2014, saiu no Brasil uma excelente biografia, "Manson", de Jeff Guinn. À época, escrevi:

O livro de Guinn é a mais profunda investigação até hoje sobre a origem de Manson. O autor falou com parentes e colegas de infância e mostra como os crimes que ele orquestrou foram, na verdade, a culminação de uma vida inteira dedicada ao mal. Desde pequeno, Charlie já estava às turras com a lei. Passou a maior parte da infância e adolescência trancado em celas, experimentando e impingindo a brutalidade.

Aos seis anos de idade, Charlie já demonstrava algumas das características que o mundo conheceria tempos depois: cometia delitos e culpava outros, ou cooptava amigos para participar de delitos e depois fingia não saber de nada.

Charlie chegou à Califórnia em 1967, no meio da explosão do "Verão do Amor", quando qualquer cabeludo com um papinho mole sobre liberdade e luta contra o governo encontrava um público louco de ácido e pronto para ouvi-lo.

Charlie montou um séquito de escravas sexuais, que chamava de "A Família". Promovia orgias diárias em que convidava amigos e jet setters hollywoodianos para usar e abusar das moças. Tudo regado a LSD, que ele só tomava de vez em quando, para poder controlar as discípulas com mais facilidade.

Dois dos maiores freqüentadores dessas festanças eram Dennis Wilson, dos Beach Boys, e Terry Melcher, famoso produtor de discos e membro da elite de Hollywood (era filho da atriz Doris Day). Charlie paparicava a dupla para tentar conseguir entrada em alguma gravadora, já que tinha planos de virar um popstar. Até Neil Young se encantou com Charlie por uns tempos e chegou a recomendá-lo para sua gravadora.

Dennis Wilson convenceu os Beach Boys a gravar uma música de Charlie. Melcher logo viu a furada em que tinha se metido e pulou fora, mas virou alvo da fúria do guru. A vingança de Charlie não demorou: o massacre que matou Sharon Tate e vários amigos aconteceu numa casa que pertencia a Melcher. Há quem diga que ele era o alvo dos ataques.

Nunca entendi direito o fascínio causado por Manson. De todos esses fanáticos e líderes de cultos assassinos, como Jim Jones e David Koresh, Manson é o menos interessante. Sua "filosofia" – uma bizarra mistura de paranoia, eugenia e machismo, em que homens brancos governavam o universo, mulheres só existiam para satisfazê-los e negros deveriam ser eliminados – parece ter sido inventada à medida que ele falava, como o personagem de Philip Seymour Hoffman em "O Mestre".

Charlie era maquiavélico. Não participou dos crimes, mas mandou sua gangue praticá-los e depois tentou se livrar da cadeia dizendo que não tinha nada a ver com eles. Acabou condenado à morte. A pena foi mudada para prisão perpétua depois que a Califórnia aboliu as execuções, nos anos 70.

Você termina de ler o livro de Guinn sem entender por que tanta gente acreditou em Manson. Nem ele mesmo parece crer naquelas besteiras. A única explicação – e alguns dos próprios membros da "Família" dizem isso – é que estavam todos tão chapados de ácido que viraram presas fáceis.

Não que alguém possa achar virtudes nas palavras de Jim Jones ou David Koresh, mas suas histórias de vida e idéias, por mais insanas, são bem mais interessantes que as de Manson. Sugiro ler "Raven", de Tim Reiterman, biografia de Jim Jones. A história é tão incrível, e a trajetória de Jones tão louca – um comunista, liberal e defensor de minorias que virou guru e convenceu 900 pessoas a se matar – que dá para entender por que tanta gente o seguiu. E não dá pra esquecer que Jones morou em Belo Horizonte e Rio por quatro anos, e chegou a cogitar fazer seu templo no Brasil.

Voltando ao livro, é notável a forma como Guinn contextualiza aquela época braba, com o crescente conflito no Vietnã, os assassinatos de Martin Luther King e Bobby Kennedy e o terrorismo nos Estados Unidos. O autor mostra grande talento para contar, de maneira simples e direta, a história de tantas pessoas envolvidas nos massacres – as vítimas, os mais de 30 membros da Família Manson, os investigadores, e o próprio Charlie. O livro de Guinn é um documento assustador e emocionante sobre os crimes que acabaram com o sonho hippie de paz e amor.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.