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Filme brasileiro de terror triunfa no exterior – e sem lei Rouanet!

André Barcinski

10/11/2017 05h59

Quem diz que o cinema brasileiro depende do Estado?

Bom, a maior parte depende sim, mas há exceções. "Mal Nosso", um filme de terror dirigido por Samuel Galli, um advogado e dono de restaurante de Ribeirão Preto (SP), custou 350 mil reais, foi totalmente financiado pelos realizadores, e vem recebendo boas críticas da mídia especializada.

Claro que é um filme de nicho, que vem sendo exibido em festivais especializados em cinema de terror. Mesmo assim, é notável que uma produção brasileira independente esteja conseguindo tanto destaque.

"Mal Nosso" (no exterior, "Our Evil") não é para estômagos fracos. O filme conta a história de Arthur (Ademir Esteves), um homem com poderes mediúnicos, que descobre que um demônio está atrás de sua filha, Michelle (Luara Pepita). Para evitar que o tinhoso tome a alma da menina, Arthur contrata os serviços de um assassino serial, Charles (Ricardo Casella), para protegê-la.

O filme foi exibido em diversos festivais internacionais, mas ainda não tem data de estreia no Brasil. Fiz uma entrevista com Samuel Galli sobre o filme e as dificuldades – e prazeres – de produzir sua obra com recursos próprios.

– Você poderia falar um pouco sobre como teve a ideia para fazer o filme?
– A ideia surgiu depois que fui fazer um curso de cinema em Los Angeles. Voltei para o Brasil e me juntei a uma produtora chamada Kauzare Filmes, em Ribeirão Preto. Escrevi o roteiro, e rodamos. Como era nosso primeiro filme, e sabíamos que o gênero aqui em sua forma independente era complicado fazer com incentivo e patrocínio, colocamos dinheiro do próprio bolso e produzimos.

Galli (de boné) dirige cena, auxiliado pelo talentoso cineasta Rodrigo Aragão ("Mangue Negro), a cargo da maquiagem e efeitos de "Mal Nosso"

– Quais suas influências no cinema de horror?
– Sou de 80, então minhas influências são os vilões ícones, como Freddy Krueger, Michael Myers, e filmes como "Hellraiser". Depois comecei a me interessar por Dario Argento e o cinema de gênero italiano, e finalmente pelo extremo francês, por meio de filmes como "À L'Interieur", de Julien Maury e Alexandre Bustillo, "Martyrs", de Pascal Laugier, e "High Tension", de Alexandre Aja.

– Quanto custou o filme e como foi financiado?
– O filme foi financiado totalmente por nós realizadores. Somando a aquisição de equipamentos, pré-produção, produção, pós, arte, pôsteres, viagens, custou em torno de 350 mil reais.

– Você poderia listar alguns festivais onde já foi exibido?

Claro. Já foi exibido no Marché Du Film (Cannes), Moscow International Film Festival, Blood Window (México), But Film Festival (Holanda), Sitges (Espanha), Grossman Fantastic Film Festival (Eslovênia), Frightfest (Reino Unido), Macabro Film Festival (México, onde venceu o prêmio de melhor filme de horror latino-americano), IFI Horrorthon (Irlanda), New York City Horror Festival (Estados Unidos), Blood Window (Chile).

– E a reação do público, como tem sido?
– A reação do público tem sido maravilhosa e as criticas, unânimes (Galli enviou links de diversas críticas; a revista "Scream Horror Mag" disse : "É o tipo de filme ousado e provocante que transcende regiões, e depois que a comunidade de fãs de horror tenha sido exposta a seus choques sádicos e conflitos morais, vai deixar uma impressão duradoura"; já o site britânico "Film News" escreveu sobre o filme durante o festival Frighfest: "Sem dúvida, um dos melhores filmes do fim de semana é a impressionante estreia do brasileiro Samuel Galli. Misturando o sobrenatural a medos atuais dos cantos mais sombrios da web e 'exploitation', ele realizou um filme verdadeiramente denso e perturbador".

– E exibições no Brasil? Você tem distribuição?
– No Brasil, fomos convidados para o Fantaspoa, Rio Fantastik, entre outros festivais, mas por problemas de lançamento do filme, o nosso agente de vendas, Jinga Filmes, preferiu outra estratégia. O plano foi ganhar peso internacional com festivais de ponta, críticas, e vendas lá fora, para tentar convencer as distribuidoras nacionais a olharem esse tipo de filme com mais entusiasmo e seguir a tendência internacional.

– Acha que seu exemplo de cineasta independente pode influenciar outros no Brasil a seguirem o mesmo caminho?
– Sou um cineasta e gosto de cinema. Fiz o filme de forma independente, pois não havia outra forma. Ou seja, se você quiser fazer um filme, seu primeiro filme, não espere que um produtor te chame ou que você vá conseguir aprovar um projeto do gênero logo de cara. Depois as portas se abrem.

– E projetos futuros?
– A Kauzare Filmes está fechando uma coprodução com uma grande produtora brasileira para rodar um filme (drama) no segundo semestre do ano que vem e ter distribuição pesada em cinemas. E, paralelamente, estou escrevendo um roteiro que irei dirigir (Thriller/terror), para ser rodado nos EUA.

Um ótimo fim de semana a todos.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.