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Conheça o autor policial que inspirou trama em “Mindhunter”

André Barcinski

08/11/2017 05h59

Wambaugh (à esq.) e o diretor Harold Becker no set de "The Black Marble" (1980), filme adaptado de um livro do autor

Numa cena de "Mindhunter", a série policial do Netflix sobre dois agentes do FBI que entrevistam assassinos seriais presos para traçar seus perfis psicológicos, o agente Holden Ford (Jonathan Groff) se encontra na prisão com o famoso criminoso Ed Kemper (Cameron Britton), um nerd de dois metros de altura e QI de 145, que no início da década de 70 matou diversas mulheres, incluindo a própria mãe.

Em determinado ponto da conversa, Ford cita o programa de TV "Police Story", e o rosto de Kemper se ilumina: "Sou grande fã de Wambaugh". Ele se refere a Joseph Wambaugh, 80, autor de livros policiais e criador de "Police Story", drama policial que durou de 1973 a 1978 na rede de TV NBC. Ford então inventa que seu parceiro, Bill Tench (Holt McCallany), teria inspirado vários personagens das histórias de Wambaugh. Kemper fica tão feliz que se abre com os agentes e começa a contar detalhes de seus crimes.

Espero que "Mindhunter" inspire alguns fãs de histórias policiais a ler as obras de Wambaugh. No meu ranking pessoal, ele está no topo da literatura de crime, junto com Jim Thompson, George V. Higgins, Patricia Highsmith e James Ellroy.

O Ed Kemper da ficção (Cameron Britton) e o de verdade: fã de Joseph Wambaugh

Em 2014, escrevi sobre Wambaugh:

Já escrevi aqui no blog sobre a crise de qualidade da literatura policial moderna. Quando um abacaxi como "A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert" é considerado um livro revolucionário, é porque alguma coisa está muito errada.

Isso sem falar em "O Jogo de Ripper", primeira – e, espero, última – incursão de Isabel Allende pelo romance policial. Tive de ler por obrigação profissional e foi uma experiência das mais torturantes.

Enquanto não chega o novo livro de James Ellroy, "Perfidia", achei no Netflix gringo um grande filme baseado em um de meus livros prediletos: "The Onion Field".

Dirigido por Harold Becker (dos ótimos "Sea of Love" e "City Hall") em 1979, é inspirado no livro homônimo de Joseph Wambaugh, lançado em 1973, sobre uma história real ocorrida dez anos antes na Califórnia: uma dupla de policiais, Ian Campbell (Ted Danson) e Karl Hettinger (John Savage) para um carro suspeito numa averiguação de rotina. No automóvel estão dois ladrões, Jimmy Smith (Franklyn Seales) e Gregory Powell (James Woods).

Os bandidos rendem os policias e os levam para uma plantação de cebolas na periferia da cidade, com a promessa de soltá-los. Quando chegam à plantação, Powell atira nos dois. Campbell morre na hora, mas Hettinger consegue escapar.

O filme acompanha os anos seguintes ao crime e ao julgamento dos assassinos, e conta como os bandidos conseguem, por meio de manobras jurídicas espertas, sair por cima. E Hettinger, o policial sobrevivente, é assombrado pelas memórias do crime e entra numa depressão suicida. As atuações de Woods, Savage e Seales são incríveis.

Não sei se "The Onion Field", o livro, foi lançado em português. No site Estante Virtual há vários livros de Wambaugh, tanto em português quanto em inglês. Se tiver chance, leia qualquer um. Wambaugh é daqueles escritores obrigatórios para quem gosta de literatura policial.

Antes de virar escritor, Wambaugh foi tira por 14 anos. Seus livros relatam a vida e trabalho dos policiais com uma visão de "insider". Os diálogos não são cheios de bossa como os de Elmore Leonard ou Lawrence Block, mestres do "thriller" pop, mas realistas. A impressão é de estar escutando uma gravação de tiras batendo papo.

Vários dos livros de Wambaugh, especialmente os primeiros, escritos na primeira metade dos anos 70, não trazem histórias complexas sobre crimes misteriosos, mas relatos de como policiais são afetados pelo stress e brutalidade do dia a dia.

"The Choirboys", um dos melhores livros dele, fala de um grupo de tiras que se reúne num parque da cidade de madrugada para beber, fumar, trepar com umas garçonetes taradas por policiais e trocar histórias da batalha nas ruas.

"Os Novos Centuriões" – esse tem em português – conta a vida de três colegas da Academia de Polícia e suas experiências na rua. É o livro mais autobiográfico de Wambaugh.

Leia, e dificilmente você terá paciência para muito do que se passa por literatura policial hoje em dia.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.