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Hüsker Dü: os punks também amam

André Barcinski

09/10/2017 05h59

Em setembro, quando morreu Grant Hart, baterista do Hüsker Du, eu estava no exterior e acabei não escrevendo sobre o músico. Vários leitores reclamaram – com razão – e pediram um texto sobre Hart e sua banda. Aqui vai o texto, com desculpas pela demora…

O punk rock que surgiu entre 76 e 78 foi glorioso, mas os sons que ele inspirou foram ainda mais interessantes. Considero o período entre o fim dos anos 70 e meados dos 80 o mais criativo, ousado e radical do chamado rock "alternativo".

Nessa época, surgiram na Inglaterra Joy Division, New Order, Wire, Magazine, Echo and the Bunnymen, Killing Joke, The Cure, Gang of Four, Cabaret Voltaire, Bauhaus, Public Image Ltd., The Fall, Siouxsie and the Banshees, The Specials e uma penca de outras.

Os Estados Unidos não ficaram atrás, com Sonic Youth, Butthole Surfers, Mission of Burma, Big Black, Swans, Melvins, Violent Femmes, Fugazi, Naked Raygun, Replacements, Dinosaur Jr., Minutemen, R.E.M., etc.

A história de quase todas essas bandas é bem parecida: eram moleques cujas vidas foram mudadas pelos Ramones, Clash e Black Flag, mas que logo se cansaram da ortodoxia do punk e do hardcore e começaram a incorporar outras influências em seus trabalhos.

O pós-punk foi uma fase das mais ecléticas, englobando desde bandas que saíram do hardcore para abraçar o hip hop (Beastie Boys) a punks que descobriram o ácido e a psicodelia (Meat Puppets, Flaming Lips), passando por grupos influenciados por música jamaicana (Specials, The Beat, Police) e experimentos eletrônicos (Swans, Psychic TV, Coil), além de nomes que fizeram releituras dos sons dos anos 50 (Stray Cats) e 60 (The Cramps). Foi ali que nasceram o som gótico de Sisters of Mercy e Bauhaus e o synthpop de Human League, Duran Duran e Depeche Mode.

O Hüsker Dü surgiu em St. Paul, Minneapolis (norte dos Estados Unidos), em 1979. No começo era uma típica banda de hardcore, tocando músicas de um minuto, sem solo e com vocal gritado. Seus integrantes – Bob Mould (vocal, guitarra), Grant Hart (bateria, vocal) e Greg Norton (baixo) – eram moleques de classe média baixa. Mould estava na universidade graças a uma bolsa de estudos para famílias de baixa renda, e Hart era balconista de uma loja de discos.

Mesmo que suas músicas se encaixassem no formato típico das bandas de hardcore da época, o Hüsker Dü era diferente da maioria. Suas letras não falavam de política ou da luta de classes na época de Reagan, mas sobre questões pessoais e problemas de relacionamento. A banda tinha um nome que não queria dizer nada ("Husker Du" era um jogo de tabuleiro conhecido na época, e o nome significa "Você lembra?" em norueguês), e os integrantes não tinham o visual das bandas punks da época. O baterista, em especial, parecia um hippie, com seu cabelo comprido e mania de tocar descalço.

Desde o início da carreira, o Hüsker Dü fez tudo sozinho. Depois que várias gravadoras recusaram o primeiro LP de estúdio da banda, "Everything Falls Apart" (com 12 canções em 19 minutos), eles montaram a própria gravadora, a Reflex, e botaram o disco na praça sozinhos. Também organizavam shows de punk na região de St. Paul e começaram a excursionar para outras regiões do país.

Seus shows eram incrivelmente intensos e velozes. Ao melhor estilo dos Ramones, não havia quase interação com a plateia ou falação. A banda emendava uma música na outra, sem intervalo: "Uma canção terminava quando a plateia estava no ar, pulando, e a canção seguinte começava quando os pés deles tocavam o chão de novo", brincava o baterista Grant Hart.

Não demorou para o Hüsker Dü atrair a atenção de várias gravadoras independentes, e a banda logo assinou com o SST, cultuado selo de Greg Ginn, do Black Flag.

Mas Hart, Mould e Norton eram talentosos e ecléticos demais para os confinados limites estéticos do hardcore, e a música do Hüsker Dü começou a mudar, incorporando elementos do rock dos anos 60 (The Who, The Byrds) e do power pop dos 70 (Cheap Trick). Em 1984, a banda lançou um disco duplo e conceitual, "Zen Arcade", sobre um menino que foge de sua família disfuncional. Foi um sucesso de vendas (pelo menos para os padrões da SST) e atraiu a atenção de grandes gravadoras.

"Zen Arcade" é um disco importante porque foi um dos pilares do "emotional hardcore", um estilo do punk rock menos agressivo, mais melódico e com letras melancólicas e confessionais. Esse subgênero inspirou muitas bandas boas, como Superchunk, Green Day e Seaweed, e posteriormente deu origem ao que hoje conhecemos por "emo".

Em meados dos anos 80, o Hüsker Dü surpreendeu a cena alternativa ao assinar com uma grande gravadora, a Warner. Mould, Hart e Grant estavam cansados da pobreza da cena alternativa (eles chegaram a recusar pagamentos de royalties para ajudar a SST, numa época em que a gravadora estava mal das pernas) e achavam que sua música tinha um bom potencial de vendas. Os três tomaram a decisão – então inédita para grupos da cena hardcore – de aceitar a oferta da Warner.

Mas a verdade é que o Hüsker Dü já estava no fim. Mould e Hart não se gostavam nem um pouco. Hart foi diagnosticado positivo para o vírus HIV. Deprimido, viciou-se em heroína, começou a faltar a shows e ensaios, e o clima na banda azedou. Em 1987, depois da enésima briga com Mould, Hart deixou o Hüsker Dü, e a banda acabou. Seis meses depois, descobriu que seu diagnóstico estava errado: ele não era portador do vírus HIV.

Depois do Hüsker Dü, Bob Mould teve uma carreira de sucesso, tanto com o grupo Sugar quanto em seu trabalho solo; Greg Norton fez parte de alguns grupos e abriu um restaurante, e Grant Hart montou a banda Nova Mob e lançou quatro discos solo. Hart morreu em 13 de setembro, depois de uma longa batalha contra um câncer no fígado.

Se você não conhece Hüsker Dü, sugiro começar por "Flip Your Wig" (1985), o disco mais pop da carreira da banda. É uma obra-prima do punk melódico e inspirou Pixies, Breeders, Green Day e tantos outros.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.