Topo

Censura às artes, ensino confessional de religião: o Brasil anda pra trás

André Barcinski

02/10/2017 05h59

Qualquer um que acredita na liberdade de pensamento e credo se assustou com alguns acontecimentos nas últimas semanas.

Para começar, houve uma série de polêmicas envolvendo obras de arte e performances artísticas acusadas de explorar o erotismo infantil e incentivar a pedofilia (leia aqui e aqui).

Gostaria de evitar a politização na discussão sobre essas polêmicas, até porque, no Brasil, "direita" e "esquerda" só concordam em uma coisa: ninguém aceita opinião contrária e todos se consideram arautos da moralidade.

Se o MBL liderou as campanhas virtuais pela proibição dessas mostras artísticas, vale lembrar que, em maio, sete cineastas supostamente "progressistas" retiraram seus filmes do Cine PE, em Pernambuco (festival no qual haviam se inscrito voluntariamente) por discordar ideologicamente do documentário "Jardim das Aflições", sobre Olavo de Carvalho.

Dá medo o que nossa "direita" e nossa "esquerda" – uso as palavras entre aspas porque não querem dizer mais nada por aqui – podem fazer quando promovem seus linchamentos virtuais. Nada está a salvo: a "direita" pode exigir a proibição de Clarice Lispector por erotismo e de Nabokov por pedofilia; já a "esquerda" exigiria o boicote a Monteiro Lobato por racismo e a Shakespeare por eurocentrismo.

FÉ PROFANADA

No fim de semana, duas reportagens mostraram casos de intolerância religiosa.

Primeiro foi o ato de vandalismo contra o túmulo do médium Chico Xavier, um Uberaba, Minas gerais (leia aqui).

Depois, o inacreditável caso das gangues de traficantes evangélicos que promoveram pelo menos oito ataques contra umbandistas na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro (leia aqui).

O STF não ajudou em nada a luta contra a intolerância religiosa ao aprovar, semana passada, o ensino religioso confessional em escolas públicas (leia aqui). Basicamente, o que o Supremo decidiu – por 6 votos a 5 – foi que professores estão livres para pregar suas crenças na sala de aula.

A votação foi motivada por uma ação da Procuradoria-Geral da República, que pediu que o STF deliberasse que o ensino religioso em escolas públicas só poderia ser de "natureza não-confessional", ou seja, sem vinculação a uma religião específica.

As aulas de religião seriam, basicamente, sobre a história das religiões, e não teriam por objetivo a doutrinação de alunos. Numa sociedade laica – ou supostamente laica – como a nossa, o pedido da PGR fazia todo o sentido: ao estudar as diferentes religiões, o aluno certamente teria uma visão mais tolerante e aberta sobre o tema, e nossas escolas formariam cidadãos mais aptos a conviver com as diferenças. A decisão do STF, ao priorizar uma religião em detrimento das demais, vai provocar o efeito oposto.

A desculpa de que o ensino religioso em escolas públicas é facultativo é de uma canalhice sem tamanho. Imagine a situação de um aluno que precisa sair da classe durante as aulas porque seus pais professam outra religião. Vai fazer um bem danado à criança, não?

Quem defende o ensino não-confessional não é "contra" a religião, muito pelo contrário: a única maneira que o Estado tem de garantir a liberdade religiosa é não doutrinar ninguém e deixar as famílias livres para decidirem. Mas não vai ser com professores divulgando suas crenças na sala de aula que isso vai acontecer. É um retrocesso que terá conseqüências nefastas para o futuro.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.