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Grandes mistérios do rock: a guitarra quadrada de Bo Diddley

André Barcinski

07/11/2016 05h59

bo-diddley
Elias Otha Bates, mais conhecido por Bo Diddley (1928-2008), foi um dos grandes inovadores do rock.

Aos 15 anos, já era um músico virtuoso, tocando violino e trombone na Igreja Batista de Chicago. Mas sua carreira profissional demorou a decolar. Foi só aos 26 anos, depois de passar mais de uma década tocando na rua e acompanhando cantores em bares, que ele gravou seu primeiro compacto. E que disco: no lado A, "Bo Diddley"; no B, "I'm a Man".

"Bo Diddley", lançado em abril de 1955, é considerado o primeiro rock a incorporar ritmos africanos. A música tinha uma batida sincopada que lembra a rumba, e que passou a ser chamada de "Bo Diddley Beat" ("Batida de Bo Diddley").

Ao longo dos anos, a "Bo Diddley Beat" foi usada em centenas, talvez milhares de músicas. Este blog listou 117 canções, de The Clash ("Straight to Hell") a Bow Wow Wow ("I Want Candy"), passando por essa aqui…

E essa…

Além de criar uma das batidas mais marcantes do rock, Bo Diddley inventou um dos instrumentos mais estranhos e memoráveis: a guitarra retangular, que ele próprio chamava de "guitarra quadrada".

Segundo relatos do próprio Diddley, ele inventou o instrumento em 1958 e pediu à fabricante de guitarras Gretsch que desenvolvesse o modelo. O resultado foi essa coisa linda aqui…

gretsch

Ao longo dos anos, muitos fãs e pesquisadores debateram as razões que levaram Diddley a criar uma guitarra retangular. Uma hipótese, confirmada pelo próprio artista, era a de que ele, no início da carreira e sem dinheiro para comprar uma guitarra de verdade, havia construído diversas guitarras de caixas de charutos.

Outra tese dizia que a guitarra retangular vinha do "Diddley Bow", um instrumento africano trazido à América pelos escravos. Aqui vai um documentário curto e interessante (em inglês) sobre o instrumento:

Em março de 2005, Diddley tinha 76 anos e fazia uma excursão à Austrália, onde foi entrevistado por uma rádio local. Ninguém sabe a razão, mas, nesse dia, o grande pioneiro do rock decidiu contar a verdade sobre sua maior criação. E a verdade era muito mais prosaica do que qualquer um podia imaginar. Ouça aqui:

"Houve uma razão pela qual eu desenhei a guitarra quadrada. Eu costumava pular muito no palco, abrir as pernas e me agachar no palco, essas coisas. Uma noite, no Teatro Apollo, em Nova York, eu e minha banda estávamos arrebentando, tocando a mil por hora, o público urrava. Aí eu me empolguei, abri as pernas e me agachei baixo demais. Eu não deveria ter feito isso! (risos). Quando cheguei em casa, peguei uma régua, agachei na sala e medi a distância até o chão. Decidi que ia me livrar da L5 [guitarra da Gibson, de corpo largo e arredondado] e desenhar uma guitarra quadrada que eu pudesse usar."

No fim das contas, a guitarra quadrada não era um tributo a seus antepassados africanos. Tudo que Elias Otha Bates queria era proteger seu amado e precioso Bo Diddley.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.