Topo

Teenage Fanclub e a maldição das bandas que insistem em sobreviver

André Barcinski

17/10/2016 05h59


Acaba de sair "Here", décimo disco de estúdio da banda escocesa Teenage Fanclub (ou 11º, se você contar "The King", lançado em 1991 com sobras de estúdio e meio que renegado pela própria banda).

O Teenage Fanclub tem 27 anos de estrada e nunca gravou uma música ruim. Já foi associado ao "shoegaze" de My Bloody Valentine e Ride, e ao "grunge" de Nirvana e Mudhoney, mas na verdade faz um power pop bonito, com grandes influências de Neil Young e Big Star.

A banda se diferencia da concorrência por ter três compositores, que se revezam nos vocais e créditos dos discos: os guitarristas Norman Blake e Raymond McGinley, e o baixista Gerard Love. "Here" tem 12 faixas – quatro de cada um.

Nessas quase quatro décadas, o Teenage Fanclub nunca estourou comercialmente. Esteve em vias de tornar-se uma banda grande quando abriu turnês do Nirvana e viu seu disco "Bandwagonesque" ganhar listas de melhores de 1991, mas cometeu um grande pecado comercial: não acabou quando deveria e voltou alguns anos mais tarde, ganhando cachês muito maiores e tocando em grandes festivais.

Se Blake, Love e McGinley estivessem interessados só em dinheiro e tivessem um empresário esperto, teriam se separado lá por 1996, depois de lançar três álbuns sensacionais ("Bandwagonesque", "Thirteen" e "Grand Prix"), dado um tempo criando ovelhas na Escócia e retornado uns dez anos depois, como atração em festivais como Primavera ou Coachella. Mas não foi o que aconteceu. A banda persistiu, continuou lançando discos ótimos e fazendo shows para públicos cada vez menores e mais fiéis. Hoje tem uma base sólida, porém pequena de fãs.

Vale comparar o caso do Teenage Fanclub com o de seus contemporâneos do My Bloody Valentine, por exemplo. Em 1991, mesmo ano de "Bandwagonesque", o MBV lançou o clássico "Loveless". Devido ao perfeccionismo e teimosia do líder da banda, o guitarrista Kevin Shields, o disco levou três anos para ser completado, custou meio milhão de dólares e quase faliu a gravadora Creation. Lançado, fracassou nas paradas, atingindo apenas o número 24 na Inglaterra ("Bandwagonesque" chegou a 22º). Deprimido, Shields sumiu, e a banda acabou. O disco seguinte, "MBV", levaria 22 anos para sair.

Sem querer comparar a importância, talento e influência das duas bandas, é curioso notar que o My Bloody Valentine ficou fora dos palcos por 16 anos e só voltou a fazer shows em 2008, faturando cachês de centenas de milhares de dólares para tocar em festivais para públicos que nunca tivera na época de "Loveless", enquanto o Teenage Fanclub continuava a tocar em clubes para 300 a 500 pessoas.

Vamos imaginar o cenário inverso: o Teenage Fanclub lança "Bandwagonesque", Norman Blake tem um surto psicótico e a banda fica 22 anos sem lançar um disco. Enquanto isso, o My Bloody Valentine continua excursionando e lançado um disco a cada dois ou três anos. Será que "Loveless" teria todo o status mítico que hoje possui? E "Bandwagonesque", não seria considerado um dos maiores clássicos do indie dos anos 90?

É grande a lista de bandas comercialmente amaldiçoadas por terem sobrevivido. Pense em quão grande seria o Mudhoney se tivesse acabado em 1995, logo após o suicídio de Kurt Cobain, depois vendido a faixa "Touch Me I'm Sick" para algum comercial de remédio e voltado lá por 2001, numa turnê comemorativa dos dez anos de explosão do "grunge"?

O que teria acontecido com o Primal Scream se tivesse dado um tempo depois de "Screamadelica" (1991)? Ou o Dandy Warhols depois de "Welcome to the Monkey House" (2003)? Que tal o Ministry? The Fall? Melvins? Flaming Lips? Imagine se o Sonic Youth voltar daqui a alguns anos?

Que a cultura da nostalgia é fortíssima, não há dúvida: basta ver que o LCD Soundsystem ficou menos de DOIS ANOS fora do mercado (entre abril de 2014, com um disco ao vivo chamado "The Last Goodbye", e dezembro de 2015, com o single "Christmas Will Break Your Heart"), e voltou como headliner do Coachella, ou que o Pixies, banda muito influente, porém não tão popular, voltou tocando em Lollapaloozas da vida para públicos de 50 mil pessoas.

Artistas que não se rendem a essa esperteza precisam ter muita força de vontade e a consciência de que vale a pena apostar na longevidade. Está aí o disco novo – e ótimo – do Teenage Fanclub para provar.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.